A «exigência acolhedora» da Igreja

D. Ilídio Leandro, membro da Comissão Episcopal Laicado e Família, fala à FAMÍLIA CRISTÃ sobre planeamento familiar e as questões da preparação do matrimónio.
 A Igreja vive tempos difíceis com o grande número de divórcios e das pessoas recasadas que, vivendo em pecado por via desse fator, se excluem da comunhão da Igreja, não podendo receber os sacramentos. D. Ilídio Leandro, bispo de Viseu e membro da Comissão Episcopal do Laicado e Família, reconhece que, nesta área, a Igreja é “pouco exigente”, porque se depara com uma situação nova. “ A Igreja é pouco exigente na preparação do matrimónio no sentido em que a maior parte dos que se preparam para o matrimónio, numa preparação próxima, passaram por um interregno de relação com a Igreja, com a catequese e com a vivência cristã. Por isso, ao chegarem ao momento do Curso de Preparação para o Matrimónio (CPM), os temas não podem ser muito aprofundados. Naturalmente que há exemplo de jovens que vão estando nos movimentos de juventude, de formação cristã. Porém, os que encontramos no CPM são muitas vezes jovens que têm da Igreja e do casamento católico uma visão muito distante, muito inicial”, reconhece o prelado.

Apostar numa formação tipo “grão de mostarda” é a estratégia que D. Ilídio Leandro considera que a Igeja deve fazer. “É importante que a abordagem seja de modo a captar sobretudo o seu interesse por aquilo que a Igreja lhes apresenta como fundamental, e esse interesse é que os pode levar a um caminho diferente. A abordagem para a preparação para o casamento deve deixar nos casais apetência, desejo, curiosidade até, por fazerem depois algum trabalho, seja num movimento de casais, seja numa procura de aprofundar os temas que ali ficaram inicialmente tocados”, espera o membro da Comissão Episcopal Laicado e Família. Isto contraria quem defende uma formação mais séria e longa antes do matrimónio. “Estar a fazer um aprofundamento muito grande na preparação para o matrimónio para contrapor à falta de catequese que tiveram é um erro. As pessoas ficam cansadas, saturadas, acabam por achar que é uma seca, celebram o casamento pela Igreja por tradicionalismo, pressão social ou familiar, e depois nunca mais vêm para cá”, avisa.
Apesar de reconhecer que uma maior exigência prévia poderia diminuir muitos dos divórcios a que a Igreja assiste hoje em dia, D. Ilídio Leandro sente que o CPM não está “preparado” para dar toda a formação que estes casais perderam no tempo que estiveram afastados da Igreja, e defende antes a existência de uma “formação complementar”. “Não podemos sobrecarregar o CPM, porque a maioria chega ali e vai enfrentar algo para o qual não estava psicologicamente preparado, porque tiveram uma ausência completa de vivência cristã durante a juventude. Sentem-se estranhos, pelo que um CPM dar aspectos importantes na linha da preparação para o matrimónio é bem, mas deve motivá-los para um caminho que depois podem fazer na comunidade cristã, num movimento de espiritualidade, familiar, na paróquia, etc.”, acredita o prelado de Viseu.
Sabendo que, mesmo assim, muitos recusam os ensinamentos da Igreja, D. Ilídio concorda que, no limite, a Igreja “pode e deve” recusar o matrimónio, mas apenas quando “apresenta de forma clara a proposta da Igreja” e as pessoas demonstrem que não pretendem seguir esses ensinamentos. “É preciso termos uma exigência acolhedora, e descobrir os genes de cada um. É a Igreja que tem de se adaptar às pessoas e não o contrário, e ir buscar muito à imagem do que Jesus fez. Muitos dos que não estão hoje na Igreja já lá estiveram, e a Igreja perdeu-os, muitas vezes por sua própria culpa, porque não lhes soube transmitir a mensagem”, lamenta.

PLANEAMENTO FAMILIAR: UMA REALIDADE QUE NÃO PEDE JULGAMENTOS
É comum pensar-se que as linhas de orientação da Igreja sobre planeamento familiar e métodos contraceptivos são sobejamente conhecidas, mas a realidade é bem diferente.  “As ideias de planeamento familiar que a Igreja tem não são compreendidas pelos católicos de hoje. O caminho que a Igreja tem feito, não por culpa da Igreja, mas da pedagogia que se tem vivido, e os cursos de CPM não têm ajudado a aclarar, é a de ser vista como a Igreja do Não. Diz que não a tudo, e apenas propõe algo que hoje se torna muito difícil ver nos próprios membros da Igreja”, diz D. Ilídio Leandro.
O principal problema tem a ver com a utilização de métodos contraceptivos artificiais, nomeadamente o preservativo e a pílula, que não são aceites pela Igreja, mas são usados por uma parte significativa dos católicos. O bispo de Viseu defende uma “pedagogia” de “compreensão” da realidade da pessoa humana. “Penso que sobre os métodos em ordem à fecundidade, tem de haver uma pedagogia não mais aberta, mas muito de compreensão da realidade da pessoa humana, da realidade da sociedade de hoje, e de ter valores fundamentais. Aborto nunca. A partir daí, ajudar as pessoas a caminhar”, defende o prelado.
D. Ilídio Leandro prefere não colocar os métodos naturais e artificiais em campos opostos, e afirma uma posição mais aberta sobre este assunto. “Não queria pôr o assento nesta dicotomia de uma coisa ou outra. O aborto nunca, em nenhuma circunstância ou situação, mas a partir daí tem de passar muito por uma pedagogia de acolhimento mais efectivo da Igreja e dos caminhos de preparação, e da pastoral da juventude, sem estar agora a especificar artificiais ou naturais”, diz, acrescentando que a diferença deve estar no que é atentatório à “vida e dignidade da pessoa humana”. “Tem de haver um caminho mais próximo e direto a perceber o que são métodos atentatórios à vida e à dignidade da pessoa humana e aqueles que são naturais ou podem ser ocasionais para um caminho e uma pedagogia de aprendizagem e de aproximação daquilo que é o ideal. Entre o mau, a realidade e o ideal há todo um caminho. Não condenemos ninguém, se a vida é respeitada em todas as ocasiões”, pede o prelado.
Em conclusão, D. Ilídio apenas pede que a Igreja ajude na “formação da consciência do casal”, mas que seja “o próprio casal o formador da sua consciência”. “Não estejamos de fora a dizer o que as pessoas devem fazer”, conclui.
 (Artigo de D. Ilídio Leandro, bispo de Viseu, publicado em Família Cristã, Janeiro 2014)

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